Sandra Campos (Fibrose Quística)

21-03-2011 17:03

 

      Quando e como lhe diagnosticaram a fibrose quística?

Desde muito pequena que sempre tive infecçoes respiratórias muito graves de tal forma que aos 4 anos os médicos disseram aos meus pais para me baptizar porque nao iria conseguir resistir. No entanto, fui crescendo sempre com essas infecçoes e fui-me “aguentando” pois ao contrário de outras pessoas com Fibrose Quistica apenas tinha os pulmoes afectados pela doença.

A Fibrose Quistica ataca essencialmente os pulmoes, intestinos e pancreas provocando um excesso de muco nestes órgaos e nao permitindo uma boa absorçao dos alimentos por isso juntamente com as infecçoes respiratórias muitas crianças acabam por falecer aindas bebés.

No meu caso fui sempre tratada sem saberem exactamente o que tinha. Pensavam que eram bronquites. Apenas aos 27 anos, uma médica decidiu fazer-me a “prova do suor” (um teste que permite ver se existe fibrose quistica ou nao) e os valores foram tao altos que ficou comprovado que era FQ.

      Qual foi a primeira coisa em que pensou quando lho comunicaram?

            Comunicaram-me o diagonostico da forma mais dura possivel. Disseram-me - “Tens FQ, uma doença genética, incurável, nao podes ter filhos e tens uma esperança de vida até aos 30 anos é é uma doença degenerativa, ou seja que vai piorando com o tempo”.

Naquele momento senti-me a congelar, como se tivesse perdido as forças, como se o meu coraçao estivesse parado e chorei sem parar. Naquele momento nao tinha namorado mas como a maior parte dos jovens sonhava uma dia conhecer alguém e casar e ter filhos. Todos os meus sonhos tinham sido destruidos naquele preciso momento. Tive que ter ajuda de um psicologo para voltar a ter forças para enfrentar o meu dia a dia, até que um dia decidi que pelo menos tin ha que viver o melhor possivel o meu dia a dia e esquecer o que me tinham dito e foi assim que começei a viver enfrentando uma nova novidade muito dura - internamentos no Hospital de Santa Maria para fazer ciclos de antibiótico endovenoso. O que me dava forças era que pelo menos, ao contrário de muitas pessoas que ia conhecendo no hospital, quando acabava um ciclo endovenoso (duraçao de 2 a 3 semanas) pelo menos podia voltar a minha vida normal e ao trabalho. Trabalhava numa agência de publicidade e adorava o meu trabalho.

      Como reagiu a sua família quando soube?

A fibrose quistica só se manisfesta quando ambos pais passam o gene mau da FQ. Se por exemplo passam um gene mau e um gene bom, o filho só será portador saudável (sem a a doença) e se ambos os pais passam os genes bons, o filho será saudável e nao é portador.

No meu caso, os meus pais, ambos saudáveis, nao imaginavam que podiam ser portadores de um gene mau da FQ. Ficaram tao assustados como eu, ainda por cima porque desde pequena que já tinhamos tentado de tudo para descobrir o que se passava comigo. O meu irmao fez os testes e é saudável e nao é portador. Os medos que os meus pais tinham nunca o passaram para mim até porque investigaram sobre a doença e nao queriam ver-me a sofrer.

Entretanto aos 29 anos casei-me com o pai do meu filho. Aqui sim, posso dizer que foi uma desilusao muito grande porque sabia da doença, era enfermeiro militar e apesar de tudo quando fiquei a oxigénio (aos 33 anos) acabou por dizer-me que lhe andava a “estragar a vida” e separamo-nos. Conto-vos isto porque infelizmente é a realidade de muitas pessoas com FQ e Transplantados Pulmonares - Muitos casamentos desaparecem simplesmente porque o outro nao quer aguentar o dia a dia tao duro que se nos apresenta especialmente entre a fase que ficamos dependentes de oxigénio até ao Transplante. No meu caso foram 2 anos e meios muito duros de espera para entrar em lista, para conseguir ir para a Corunha, dependente de oxigénio e da ajuda dos meus pais para tudo.

      Sabemos que já tinha um filho quando soube da sua doença. Como se sentiu ao pensar que se não recebe-se o transplante poderia ter pouco tempo de vida?

Foi ao contrário, fiquei grávida aos 30 anos, depois do diagnóstico. Sabia que iria ter mais dificuldade em engravidar e que se engravidasse deveria ser num momento em que estivesse mais estável das infecçoes pulmonares. O que nao sabia e nunca me disseram foi que a gravidez que ia “roubar” o que me restava da funçao pulmonar. Tive uma gravidez de 8 meses e parto normal e já sabia que o meu filho iria nascer portador saudável porque tinha feito os testes genéticos ao pai e ele nao tinha o gene mau da FQ.

Foi por isso que decidi avançar com a gravidez e pensava - “Mais um internamento ou dois, paciência! Mas nao vou deixar de ter o meu filho, nem vou abortar para estar eu melhor”

Mesmo que soubesse a verdadeira consequência da gravidez na FQ, noa teria desistido da gravidez.

Quando fiquei a oxigénio e tao dependente dos meus pais para tudo, entou-me um panico muito grande pois pensava que nao iria aguentar até ao transplante para ver o meu filho crescer. Felizmente aguentei. Na altura ele tinha 2 anos e agora já tem 9 anos. Sofreu muito com tudo pois sempre foi muito consciente de tudo que se estava a passar comigo. Foi ele que todos os dias me dava forças para conseguir aguentar-me até ao dia do Transplante.

      Após o transplante, quando acordou, qual foi o seu primeiro sentimento relativamente aos seus dois novos pulmões, e à pessoa que lhos terá doado?

Quando me chamaram para o transplante nem queria acreditar, o medo era muito mas sabia que nao havia volta a dar e fui mentalizada que tudo ia correr bem. Quando acordei tive com uma sensaçao de liberdade, uma felicidade indiscritivel por noa ter dificuldade em respirar e por nao ter aquela maldita expectoraçao nos pulmoes. Estava preparada para o que me esperava: o isolamento nsi cuidados intensivos que durou uma semana e o isolamento no quarto de toraxica que durou um mês, a fisioterapia de reabilitaçao tudo para mim eram etapas que tinha que conseguir superar e avançar para voltar a ver o meu filho. Era só nisso que pensava. em relaçao ao dador a unica coisa que sei é que era uma rapariga de 30 anos e era de Vigo (por le nao se pode saber nada mais); por ela sinto uma imensa gratidao pois sempre penso que nao é justo que um tenha que morrer para outro viver mas graças a ela e à sua familia estou hoje viva e com uma energia que nunca tinha tido antes do transplante. Digo que é a minha “alma gémea” e que tenho a obrigaçao de viver momentos muito bons e felizes porque se eu os vivo, ela, atravéz de mim, também os está a viver!

      Sentiu que tinha algo que lhe era estranho, dentro de si?

Nao, sempre senti que sao os “meus” pulmoes. Os pulmoes que sempre desejei para mim - bons, a funcionar e sem problemas.

      Qual foi a pessoa, que durante todo o processo, mais a marcou?

Para além do meu filho e dos meus pais, foi sem duvida o meu médico que me fez o Transplante na Corunha - Dr. Borro - tenho por ele um imenso carinho, existe uma ligaçao entre nós muito forte. Sao laços de vida que só sao possiveis de se criar para quem passa por estas situaçoes. É um laço para toda a vida.